Ao olhar para as imagens destas fotografias expostas, verificamos que todas elas sobreviveram aos seus retratados. Podemos dizer que diante delas somos frágeis e passageiros. A fotografia abre no tempo uma abertura onde o futuro vem à janela com um aviso: a degradação é uma memória que nunca pára o seu trabalho de apagamento.
Do acervo da Foto Adriano
Esta exposição assinala, de forma simbólica, os 30 anos decorridos desde o encerramento do estúdio de fotografia Foto Adriano. No mesmo ano, a Câmara Municipal de Vila do Conde adquiriu o seu espólio, reconhecendo a relevância simbólica e material do ofício da família Adriano. Ao longo de 100 anos, o resultado de um negócio privado transformou-se de forma natural em património de interesse público, deixando um legado histórico e artístico com sua arte fotográfica em Vila do Conde.
Nas últimas três décadas, o dedicado serviço de Conservação e Restauro de Documentos Fotográficos e da Fotografia Documental do Património do Arquivo Municipal de Vila do Conde – actualmente com duas técnicas que cuidam deste espólio desde o início da sua aquisição – trabalha contra o tempo na preservação, digitalização e catalogação das muitas espécies fotográficas que formam este arquivo único. O seu valor reside não apenas na preservação física das imagens, mas também na salvaguarda da herança visual que essas fotografias representam.
A exposição
A partir da impossibilidade de ver todo o espólio da Foto Adriano, trabalhei a partir de dois grupos de imagens. O primeiro grupo composto por 1197 negativos de vidro digitalizados ao longo dos últimos anos pelo Arquivo Municipal de Vila do Conde. Deste grupo selecionei 17 fotografias para serem expostas nas caixas de luz. O segundo grupo a partir de negativos de vidro partidos que aguardam catalogação e restantes trabalhos de arquivamento como a construção de túmulos e digitalização.
A impossibilidade de ver o todo é, de certa forma, libertação. Desta forma assumo um mosaico que só existe pela sua fragmentação. A fotografia que se dá a ver no fragmento, que não tem um início nem um fim, tem uma emoção estética que me seduz e que transforma uma imagem no contacto com as outras imagens.
O retrato de estúdio é o elemento comum e central dos dois grupos trabalhados. Nestes retratos da Foto Adriano, as ficções dos fundos pintados e das poses conferem protecção à realidade das pessoas que se expõe ao mundo a imitar a vida de como querem ser recordadas.
Ao olhar para as imagens destas fotografias expostas, verificamos que todas elas sobreviveram aos seus retratados. Podemos dizer que diante delas somos frágeis e passageiros. A fotografia abre no tempo uma abertura onde o futuro vem à janela com um aviso: a degradação é uma memória que nunca pára o seu trabalho de apagamento.
A fotografia que me interessa
Olhar uma fotografia é estar sempre diante da presença do tempo. Contemplar o tempo é o que impede que o olhar se concretize de uma vez. A fotografia que me interpela não é definitiva e o tempo é o agente que convoca relações complexas entre o revelado e o não revelado.
A fotografia que me interessa como prática artística tem dupla natureza: a de documento e a de obra. Uma simples reprodução do real, para mim, não diz nada sobre a realidade. O hiato entre o invisível e o visível representa a zona na qual o olhar pode entrar pela imaginação, sendo esta um poderoso instrumento para expressar algo do real.
Ao observar uma fotografia, a intervenção da imaginação é tão significativa que o passado descoberto encontra-se no presente. Por outras palavras, os sinais presentes na imagem fotográfica conduzem-nos a interpretar o passado retratado através das sensações do presente.