Mar Fêmea, Jornal Público, P2, 20 de Março de 2009
Há um fundo permanentemente negro nas fotografias de Nelson d’Aires (n. Vila do Conde, 1975). Os raros momentos de luz são os que vêm do mar, mas sempre toldado por um céu irremediavelmente já rendido à noite. São apenas reflexos (relâmpagos, quase) do mar mais íntimo da terra, e por isso mais conforme com a natureza do feminino, como se depreende do título da selecção de fotografias, Mar Fêmea, que Nelson d’Aires expõe na
Kgaleria, em Lisboa, até 28 de Março de 2009.
Jornal Público, 20 de Março de 2009
Um texto de valter hugo mãe, outro autor vilacondense que sabe bem de que realidade falam estas imagens, explica essa associação. “Quem vive de encontro ao mar conhece dois sentimentos mais fortes, o desejo de partir e o martírio de esperar. É porque alguém parte que outros aprendem a espera, e esta fica sobretudo do lado das mulheres, esses humanos mais parecidos às flores e capazes de fincarem os pés na areia como sondas emocionadas que perscrutam incansavelmente as águas.”
As fotografias de Nelson d’Aires “mostram o momento mais feminino do mar” – acrescenta o escritor de O apocalipse dos trabalhadores -, “com o granulado acentuado do preto-e-branco e com a essencialidade da narrativa que contêm”. E essas narrativas são as de uma terra de fortes tradições, com as das festas, romarias e outros rituais religiosos. Mas também – e principalmente, aqui – as das horas difíceis vividas à beira do mar, à espera. “Porque esperar também é esperar pelo que não vem, até que o coração se convença de que chega a hora de voltar a casa e suportar a dor”, escreve valter hugo mãe.
Nelson d’Aires é um fotógrafo autodidacta, que, depois de dez anos a trabalhar no sector da construção civil, decidiu abraçar a aventura da fotografia e do fotojornalismo. No seu currículo tem o Prémio Reportagem da 7ª edição do Prémio Fotojornalismo Visão/BES, em 2007, por um trabalho sobre a trasladação da Irmã Lúcia. Integra actualmente o colectivo Kameraphoto e tem realizado (ou participado em) sucessivas exposições online e em diferentes galerias e espaços públicos por todo o país.
A exposição Mar Fêmea terá uma evolução até ao dia do seu encerramento, e, durante a sua permanência na Kgaleria, serão realizadas novas fotografias, que substituirão as anteriores.
http://artephotographica.blogspot.pt/2009/03/mar-f-e-mea.html