Memória: No Verão de 2005 presenciei no centro de portugal um fogo florestal que esteve fora de controlo vários dias. O fogo era como um monstro que crescia com a destruição, devorava tudo ferozmente. O seu alimento era feito de mato, árvores, casas e pessoas, tudo o que tivesse cor de vida foi consumido até às cinzas.

As causas foram várias: Grandes áreas de floresta densa, com poucos acessos, vegetação seca, baixos índices de humidade, ventos fortes com mudanças de direcção repentinas, abundância de lixo, falhas na prevenção, vigilância limitadan e fogo posto. A mão humana como ignição.

O fogo foi combatido com água, terra e muitas vezes com mais fogo, o contra-fogo. Quando tudo falhava, o fogo só se extinguia quando atingia terreno enfraquecido de alimento.

No meio do conflito, aldeias foram forçadas a evacuar e sendo temporariamente realojadas onde o fogo estivesse longe. No limite da perda, só os desobedientes tiveram loucura para ficar e defender o que construíram durante as suas vidas.

Um grande incêndio é veloz, mas a transformação é profunda. Pisar um terreno ardido minutos depois da passagem do fogo é memória que marca. O silêncio, o fumo que se assemelha a um denso nevoeiro mas que faz arder os olhos e não deixa ver o horizonte, os pés a queimar devido ao subsolo que ainda arde. São precisas gerações para tudo regressar à normalidade.

É com a memória acima que, hoje, com um filho de um ano de idade no colo, olho para uma das fotografias que fiz a uma paisagem destruída pelo fogo, e sinto Portugal: Homens e mulheres enfraquecidos no meio do seu ambiente destruído, sem conseguir ver bem o futuro dos seus filhos, aflitos, com os olhos a arder a procurar abrigo no meio da política da terra queimada. Talvez seja hora de procurar uma outra floresta livre de especulação e dos seus lixos tóxicos, fugir desta erosão que atinge a soberania e a responsabilidade democrática tais como os direitos do trabalho e do estado de direito.

Nelson d’Aires, Setembro de 2012