Fugir às imagens

Sérgio B. Gomes

“”Olhem, também somos assim”. E ‘assim’, também é com braços tatuados de arabescos e espinhos que seguram videiras prontas a plantar, como mostra a fotografia de Nelson d’Aires que se estampou na capa deste livro. Estão lá a força da mão humana e o saber que ajudou esta terra a ser ímpar e bela como hoje é. Estão lá o antanho e o sangue novo que se sente a correr nas veias mais salientes. Estão lá os gravetos desordenados que levaram séculos de sabedoria a apurar.
Esta fotografia de Nelson d’Aires é enviesada, aposta no músculo na diagonal como linha de força, marca-nos com uma pequena dose de rebeldia de quem se orgulha de estar prestes a cumprir um ritual que está muito para além deste instante, de qualquer instante.
O fotógrafo de Vila do Conde é um dos doze que foram convidados a deambular pela região com o fito de trazerem um olhar pessoal, contemporâneo, daquelas terras e daquelas gentes. No ensaio, a que chamou “Pedras”, não fugiu ao deslumbre pela paisagem e deu-nos,em paralelo, os sinais da acção e do engenho do homem, umas vezes em esplendor e harmonia (como nas copas de palha no topo de um monte), outras vezes em desafio e violência (como na ribanceira carregada de contrafortes e redes para evitar o deslizamento de pedras). Numa das mais extraordinárias imagens de toda a série, três cães em cima de um muro ameaçam, altivos, correr com intrusos (com o fotógrafo?). E através de imagens assim, sem os referentes mais óbvios, que sentimos a intensidade, o pulsar e as ressonâncias dos lugares.

Excerto do texto “Fugir às imagens”, publicado no catálogo “Entre Imagens – Em busca de uma nova cartografia de imagens para o Douro”