No Douro há algo que transforma o homem e que o faz regressar continuamente à mais pequena das pedras. A pedra do solo do Alto Douro é a raÃz de duas enormes forças, a da terra e a do homem. A transformação é árdua, mas de uma beleza secular que inebria o homem e dá-lhe visões para partir e escavar a pedra, erguer a sua arte, a casa, o leito do seu sangue, imitando o rio e o seu temperamento de trepador, geração após geração, até desaguar no mar e exportar nas correntes marÃtimas a sua riqueza, o seu património.
O homem aprendeu a observar este solo inteligente feito de xisto. Viu que na forte inclinação podia agarrar-se a uma videira e sustentar-se. O xisto absorve a valiosa humidade para lugares profundos onde as raÃzes das videiras vão beber apenas a quantidade necessária, fortalecendo os terrenos inclinados, segurando, assim, o homem à memória, aos sentimentos e à transformação contÃnua de uma região com fluxos definidos pelo pulsar das colheitas.
O vinho é a natureza desta região feita de caminhos curvilÃneos que desdobram a distância num tempo incerto de deslocação. As distâncias não se calculam em quilómetros, mas sim em tempo de duração. Para um fotógrafo o tempo é quase tudo. Foi nesse tempo que percorri distâncias. Vi lugares que me fizeram parar e por vezes entrar e fotografar uma arte, um regresso emigratório, uma parte da vida ligada à s pedras do Douro e outra fora da vinha, ambas na protecção do Marão.
Nelson d’Aires, Junho de 2012.